quarta-feira, fevereiro 01, 2006

___________________A dor de Frida___________



O que me impressiona em Frida (o filme, a mulher... ambos) é o corpo se desmoronando. O que me dá arrepios, mal-estar, náusea, é unicamente a própria vida, um sentimento de vida o mais extremo... Talvez o mesmo o que seus quadros provoquem em qualquer expectador, leigo ou não... Talvez o mesmo o que ela tenha sentido. É uma espécie de comunhão na dor, uma sensação que já não é dor física, mas nasce dela ou da existência dela. Saber que a dor é parte do corpo. Não, mais que parte, a dor é sua essência, é o que dá sentido ao corpo, seu duplo, sua onipresença, a dor e o corpo são causa e feito um do outro.

Mesmo um corpo sem dor já não é mais um corpo, mas novamente (e já antes) matéria do universo, grão, mistura, areia. Mesmo que uma parte deste corpo esteja viva, a outra é inventada, a outra é criada pelas idéias, a parte sem dor não é corpo: é muleta, denotativamente falando. E, revertendo o verso, a “fisgada no membro que já perdi” é mesmo somente a saudade e nada mais, dor física já não é.


O corpo é a ligação humana com o mundo; o cérebro, a sua invenção. O corpo é o ser dentro do mundo, a mente é o mundo dentro das pessoas. Mas a dor, ainda que pertença aos domínios do corpo, influi na mente. A dor física, e é apenas dela de que estou falando neste texto inteiro, é possibilitada pelo corpo, mas só pela mente é que possui existência... A dor, imaterialidade que anima a matéria, abstração construída de puro concreto, a destruição, a ponte entre “o ser no mundo” e “o mundo no ser”, o invisível de que ninguém duvida, a dor, o efeito e a causa de existirmos.





Frida (a mulher, a pintora) impressiona por nos revelar essa junção com a crueza do saber-se, a consciência do retrato como criação... Algo que o verso português, melhor do que eu, tão bem explica e que também não nos esconde: Frida, exaustivamente, “chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”.


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