segunda-feira, agosto 03, 2009

Drummond, o amor e eu













Eu não sou o Drummond...








Gosto do poeta, mas discordamos muito...




Drummond (ou sua personagem poética) diz isso sobre o amor:









"[...]No momento em que não me dizes:
Eu te amo, inexoravelmente sei que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo, verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor."




Carlos Drummond de Andrade, "Quero".








Ele está certo?


Está!


Mas também posso ouvir "eu te amo euteamoamoamoamo", posso ler e reler "eu te amo", posso mesmo até saber que é verdade o "eu te amo", posso sentir a certeza do "eu te amo" que está longe...
Ainda assim "eu te amo" precisa de boca e lábios e língua...

"Eu te amo" no espaço, na memória, na escrita, no ontem, no daqui dois dias, no antes , no logo mais... "Eu te amo" fora do momento presente, não-já e não agora mesmo...



Esse "eu te amo" também não é amor...



É só espera...





______________




E tem outra coisa (a minha maior discordância com o poeta!):


É que, algumas vezes, talvez eu não queira "Eu te amo"... ainda que continue querendo amor...
Quero os silêncios visíveis do amor...




E não a distância amorosa de palavras.
...

terça-feira, julho 14, 2009

José Augusto e o Cancioneiro Geral


Alguém lembra-se do José Augusto? Um misto de Fabio Jr. , Amado Batista e Shreck ? E alguém lembra de suas canções romântico-brega-mela-cueca-feitas-pras-trilhas-das-novelas?

Bom, olha só uma certa semelhança entre uma de suas mais famosas músicas e uma cantiga trovadoresca compendiada no Cancioneiro Geral(1516):


Texto 1


Aguenta Coração
José Augusto
Composição: Ed Wilson, Paulo Sérgio Valle e Prêntice

Coração, diz prá mim
Porque é que eu fico sempre
Desse jeito
Coração não faz assim
Você se apaixona
E a dor é no meu peito...

Pra que que você foi
Se entregar
Se na verdade eu só queria
Uma aventura
Por que você não para
De sonhar
É um desejo e nada mais...

E agora o que é que eu faço
Pra esquecer tanta doçura
Isso ainda vai virar loucura
Não é justo
Entrar na minha vida
Não é certo
Não deixar saída
Não é não...

Agora aguenta coração
Já que inventou essa paixão
Eu te falei que eu tinha medo
Amar não é nenhum brinquedo

Agora aguenta coração
Você não tem mais salvação
Você apronta
E esquece que você
Sou eu...

{repete}

Coração... Coração...


Texto 2



Coraçam, já repousavas
já não tinhas sojeiçam,
já vivias, já folgavas;
pois por que te sogigavas
outra vez, meu coraçam?

Sofre, pois te nam sofreste
na vida que já vivias;
sofre, pois te tu perdeste,
sofre, pois não conheceste
como t´ outra vez perdias!

Sofre, pois já livre estavas
e quiseste sojeiçam;
sofre, pois te não lembravas
das dores de qu’escapavas,
Sofre, sofre, coraçam!

Jorge de Aguiar (séc. XV). In: Cancioneiro geral. Lisboa: Imprensa Nacional, 1990. Vol. 2, p. 27

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

___________________A dor de Frida___________



O que me impressiona em Frida (o filme, a mulher... ambos) é o corpo se desmoronando. O que me dá arrepios, mal-estar, náusea, é unicamente a própria vida, um sentimento de vida o mais extremo... Talvez o mesmo o que seus quadros provoquem em qualquer expectador, leigo ou não... Talvez o mesmo o que ela tenha sentido. É uma espécie de comunhão na dor, uma sensação que já não é dor física, mas nasce dela ou da existência dela. Saber que a dor é parte do corpo. Não, mais que parte, a dor é sua essência, é o que dá sentido ao corpo, seu duplo, sua onipresença, a dor e o corpo são causa e feito um do outro.

Mesmo um corpo sem dor já não é mais um corpo, mas novamente (e já antes) matéria do universo, grão, mistura, areia. Mesmo que uma parte deste corpo esteja viva, a outra é inventada, a outra é criada pelas idéias, a parte sem dor não é corpo: é muleta, denotativamente falando. E, revertendo o verso, a “fisgada no membro que já perdi” é mesmo somente a saudade e nada mais, dor física já não é.


O corpo é a ligação humana com o mundo; o cérebro, a sua invenção. O corpo é o ser dentro do mundo, a mente é o mundo dentro das pessoas. Mas a dor, ainda que pertença aos domínios do corpo, influi na mente. A dor física, e é apenas dela de que estou falando neste texto inteiro, é possibilitada pelo corpo, mas só pela mente é que possui existência... A dor, imaterialidade que anima a matéria, abstração construída de puro concreto, a destruição, a ponte entre “o ser no mundo” e “o mundo no ser”, o invisível de que ninguém duvida, a dor, o efeito e a causa de existirmos.





Frida (a mulher, a pintora) impressiona por nos revelar essa junção com a crueza do saber-se, a consciência do retrato como criação... Algo que o verso português, melhor do que eu, tão bem explica e que também não nos esconde: Frida, exaustivamente, “chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”.


Saiba Mais Sobre Frida